18 de junho de 2011

XXIII FEIRA DO LIVRO - TRIUNFO 2008

MARIO PRATA, O QUASE ECONOMISTA QUE TROCOU AS CIFRAS POR UMA REMINGTON E NUNCA MAIS PAROU DE ESCREVER...



... LIVROS E PARA JORNAIS, REVISTAS, TV, TEATRO, CINEMA.
    POR ARMANDO NOGUEIRA JÚNIOR
Mario Alberto Campos de Morais Prata é natural de Uberaba (MG), onde  nasceu no dia 11 de fevereiro de 1946. Foi criado em Lins, interior de São Paulo. Com 10 anos de idade já escrevia "numa velha Remington no laboratório de meu pai (...) crônicas horríveis, geralmente pregando a liberdade e duvidando da existência de Deus".

Nesse período de sua vida era o redator do jornalzinho de sua classe na escola. Sendo vizinho de frente do jornal A Gazeta de Lins, com 14 anos começou a escrever a coluna social com o pseudônimo de Franco Abbiazzi. Passou, com o tempo, a fazer de tudo no jornal, desde editoriais a reportagens esportivas e artigos de peso. O escritor Sérgio Antunes, seu amigo nessa época, disse que Mário era um molecote de "voz de taquara rachada e aparelho nos dentes ". 

Além de escrever Mário se dedicava ao tênis e, defendendo o Clube Atlético Linense, acabou sendo o campeão noroestino infantil na década de 60. Lia tudo o que lhe caia nas mãos, em especial as famosas revistas da época "O Cruzeiro" e "Manchete", que traziam em suas páginas os melhores cronistas da época como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Rubem Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta, uma vez que em Lins, naquela época, "não chegavam os grandes clássicos", como disse o autor. Daí a forte influência que os citados cronistas tiveram em seu estilo.

Aos 16 anos recebe um convite de Roberto Filipelli, que foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com ele o "Jornal do Lar ". Samuel Wainer, vislumbrando seu grande talento, levou-o, nessa época, para escrever no jornal "Última Hora". Mário comenta: "Meus pais chamavam aquilo que eu escrevia de bobageiras e me previam um péssimo futuro. Medicina, Engenharia, Direito ou Banco do Brasil (eles queriam). E nada de estudar filosofia ou letras: coisa de veado". O autor acabou trabalhando 8 anos no Banco do Brasil, a exemplo de Jaguar e Stanislaw Ponte Preta — dentre outros, como auxiliar de escrita.

Na década de 60, em plena “revolução”, inicia o curso de Economia na U.S.P. Desse tempo relembra: "a gente se orgulhava: a gente era comunista! (...) um dia o DOPS chegou lá e levou a gente. Todo mundo preso, orgulhoso ". Apesar da opinião contrária dos familiares e dos amigos, e movido pela vontade cada vez maior de ser escritor, resolveu pedir demissão do Banco do Brasil e abandonar a faculdade de Economia.

A partir de então vem obtendo sucesso com inúmeros livros, novelas, peças, roteiros, etc., tendo sido agraciado com diversos prêmios nacionais e internacionais.

Sua estadia em Portugal, onde morou por 2 anos, deu origem a um de seus grandes sucessos no Brasil, o livro Schifaizfavoire — um tipo de dicionário do português falado pelos portugueses. Lá, nesse período, realizou diversos trabalhos para a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa). Atualmente mora em São Paulo e diz que gosta de escrever de manhã e "careta", uma herança adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil.

Escreveu, semanalmente, na revista "Época" e no jornal "O Estado de São Paulo" por vários anos.

LITERATURA ADULTA

O MORTO QUE MORREU DE RIR - 1969, edição do autor.
PRETO NO BRANCO - 1978, coletânea de contos cariocas, com vários autores.
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1980, Editora Hucitec.
CONTOS PIRANDELLIANOS - 1984, Editora Brasiliense, com vários autores.
RITOS DA INFÂNCIA - 1985, Editora Summus, texto de vários autores, organizado por Fanny Abramovich.
BESAME MUCHO - Editora LP&M, 1987, texto da peça e do roteiro cinematográfico, em parceria com Ramalho Jr.
SCHIFAIZFAVOIRE, DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS - 1993, Editora Globo 20 edições
JAMES LINS, O PLAYBOY QUE NÃO DEU CERTO - 1994, Cartaz Editorial.
FILHO É BOM, MAS DURA MUITO, 1995, Maltese Editora.
MAS SERÁ O BENEDITO?, 1996, Editora Globo, 12 edições.
O DIÁRIO DE UM MAGRO, 1997, com ilustrações de Paulo Caruso. Editora Globo, 8 edições.
100 CRÔNICAS, 1997, crônicas, Cartaz Editorial, para ser distribuído para a renovação de assinatura do Estadão.
MINHAS VIDAS PASSADAS (A LIMPO),1998, Editora Globo.
MINHAS MULHERES E MEUS HOMENS, 1999, Editora Objetiva.
OS ANJOS DE BADARÓ, 2000, Editora Objetiva
MINHAS TUDO, 2001, Editora Objetiva
BUSCANDO O SEU MINDINHO, 2002, Editora Objetiva.
PALMEIRAS: UM CASO DE AMOR, 2002, Editora Dba
DIÁRIO DE UM MAGRO 2 - A VOLTA AO SPA, 2003, Editora Objetiva
CEM MELHORES CRÔNICAS, 2007, Ed. Planeta.
LITERATURA INFANTO-JUVENIL

CHAPEUZINHO VERMELHO DE RAIVA - 1970, Editora Globo.
O HOMEM QUE SOLTAVA PUM - 1983, Editora Escrita. 3ª edição publicada pela Siciliano em 1998.
SEXTA-FEIRA, DE NOITE - 1984, Quinteto Editorial. 9ª edição
A VIAGEM DE MEMOH - 1987, Quinteto Editorial
AS MENINAS DE VINTE ANOS - 1989, Atual Editora. 8ª edição
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? 1989, Atual Editora. 8ª edição
QUADRILHA - 1990, Atual Editora. 7ª edição
LOVE STORY - 1990, Atual Editora. 7ª edição
TA ME OUVINDO, FREI VICENTE? - 1990, Atual Editora. 7ª edição
VESTIBULANDO - 1990, Atual Editora. 7ª edição

Nota: os seis últimos títulos fazem parte dos seis volumes da coleção QUEM CONTA UM CONTO, organizada por Samir Meserani, adotada em várias escolas públicas e privadas no Brasil.
TELEVISÃO

BANG BANG - 1989, projeto de novela, para a Manduri Filmes.
ELA TEM UMA PULGA ATRÁS DA ORELHA - 1974, Caso Verdade. Rede Globo.
ESTÚPIDO CUPIDO - 1976, novela, Rede Globo, dirigida por Régis Cardoso.
SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO - 1978, novela, Rede Globo, dirigida por Régis Cardoso e Denis Carvalho.
XICO REY - 1978, minissérie em 13 capítulos para o Canal 1, ARD da Alemanha Ocidental, dirigida por Walter Lima Jr.
DINHEIRO VIVO - 1979, novela, Rede Tupi, dirigida por José de Anchieta e supervisão de Walter Avancini.
O RESTO É SILÊNCIO - 1981, tele-romance, baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O VENTO DO MAR ABERTO - 1981, tele-romance baseado em Geraldo Santos, TV Cultura.
MÚSICA AO LONGE - 1982, tele-romance baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O HOMEM DO DISCO VOADOR - 1983, Caso Verdade, Rede Globo, supervisão de Antonio Abujamra e Walter Avancini.
DEVOLVAM MEU FILHO - 1983, Caso Verdade, Rede Globo, supervisão de Antonio Abujamra e Walter Avancini.
AVENIDA PAULISTA - 1983, minissérie em 20 capítulos. Equipe de criação, juntamente com Lauro César Muniz, Leilah Assumpção e Daniel Más, com supervisão de Walter Avancini. Rede Globo.
A MÁFIA NO BRASIL - 1984, minissérie em 20 capítulos com vários co-autores, Rede Globo, dirigida por Roberto Farias.
UM SONHO A MAIS - 1986, novela em co-autoria com Lauro César Muniz e Dagomir Marquesi, Rede Globo, dirigida por Roberto Talma.
HELENA - 1987, novela em co-autoria com Dagomir Marquesi e Reinaldo Moraes, Rede Manchete. Exibida em Portugal e Alemanha Ocidental, dirigida por Denise Sarraceni e Luis Fernando Carvalho.
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPOMUCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, minissérie em cinco capítulos, baseada no romance do caboverdeano Germano Almeida, para a televisão portuguesa. Opus Filmes.
HOTEL EUROPA - 1991, projeto de seriado para Herman José, produzido pela Videoarte e Costa do Castelo, em Portugal.
VIVA A VIDA - 1991/2, assessoria de teledramaturgia para programa da RTP Internacional, de Portugal, para os Palop.
UM SÉCULO E SETE MULHERES - 1992, inspirada na "Trilogia do Café" de Álvaro Guerra, em 13 capítulos, para a RTP, de Portugal.
O CAMPEÃO, 1996, com Reinaldo Moraes, novela para a Rede Bandeirantes, produzida pela TVPlus, dirigida por Marcos Schetchman.
BANG BANG - 2005, novela para a TV Globo.
TEATRO

O CORDÃO UMBILICAL - 1970, montagem paulista dirigida por José Rubens Siqueira. 1972, montagem carioca, dirigida por Aderbal Junior. Esta peça tem, seguramente, mais de cem montagens amadoras e profissionais em todo o Brasil.
E SE A GENTE GANHAR A GUERRA? - 1971, em São Paulo, dirigida por Celso Nunes.
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1979, em São Paulo, dirigida por Ruy Guerra.
DONA BEJA - 1980, em Belo Horizonte, dirigida por Paulo César Bicalho, no Palácio das Artes.
BESAME MUCHO - 1982, dirigida por Roberto Lage em São Paulo. 1983, dirigida por Aderbal Junior no Rio de Janeiro. Também montada em Brasília, Belo Horizonte e Recife, profissionalmente. A montagem carioca representou o Brasil nos festivais internacionais do Uruguai e Colômbia, em 1983. - Montagem uruguaia, em 1990, dirigida por Adriana Lagomarsino, no Teatro Del Notariado, em Montevidéu.
SALTO ALTO - 1983, direção de Nitis Jacon com o Grupo Proteu de Londrina (PR). Apresentou-se em São Paulo e Rio de Janeiro neste mesmo ano. Montada em 1990, em Recife, profissionalmente.
PURGATÓRIO, UMA COMÉDIA DIVINA - 1984, dirigida por Roberto Lage, em São Paulo.
PAPAI & MAMÃE, CONVERSANDO SOBRE SEXO - Em parceria com Marta Suplicy em 1984, dirigida por Flávio de Souza.
O CAMINHO DA ROÇA - 1990, inédita.
PILATOS: VIDA E OBRA - 1991, adaptação livre do livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Inédita.
EU FALO O QUE ELAS QUEREM OUVIR - 2001, dirigida por Roberto Lage, em São Paulo.
CINEMA

O JOGO DA VIDA E DA MORTE - 1971, diálogos, direção de Mario Kuperman.
XICO REY - 1978, argumento, dirigido por Walter Lima Junior.
BESAME MUCHO - 1987, roteiro com Francisco Ramalho Junior, dirigido pelo mesmo. Este filme representou oficialmente o Brasil em vários festivais internacionais.
BANANA SPLIT - 1987, roteiro para direção de Paulinho de Almeida.
O BEIJO 2348/72 - 1987, co-autoria de roteiro e diálogos, dirigido por Walter Rogério.
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPUMOCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, baseado no romance do caboverdiano Germano Almeida, para a Opus Filmes de Portugal e direção de Francisco Manso.
JORNALISMO

A Gazeta de Lins (colunista social, aos 14 anos; redator; editor)
Ultima Hora (repórter, redator, editor do UH Revista, com Samuel Wainer)
Folha de S. Paulo (colaborador, cronista, repórter)
O Pasquim (colaborador entre 72 e 73)
Istoé (resenhista de literatura)
Aqui, São Paulo (colaborador)
Jornal da Tarde, cronista, articulista, contista.
O Estado de S. Paul, cronista, articulista e autor da minissérie "James Lins", publicada em capítulos, entre novembro de 93 e fevereiro de 94)
Playboy, Homem, Lui, Status, Saque, AZ, Ícaro, Criativa, Placar, Motorshow, Caros Amigos (artigos e contos).
Época (cronista)
VÍDEO-FICÇÃO

ASSALTO - direção de Adriano Goldman e Hugo Prata. 1987
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? - dirigido por Adriano Goldman e Hugo Prata. 1989. Exibido em Cuba, Nova Iorque, Milão, Amsterdã, Paris.
OS DOIS - para direção de Adriano Goldman e Hugo Prata. 1990
SEXTA-FEIRA, DE NOITE - para direção de Hugo Prata. 1994
PRODUÇÃO

REVEILLON - peça de Flávio Márcio, Rio de Janeiro - 1973
BESAME MUCHO - Rio de Janeiro - 1984
PAPAI & MAMÃE CONVERSANDO SOBRE SEXO - São Paulo - 1984
A INFECÇÃO SENTIMENTAL CONTRA-ATACA - Grupo XPTO - 1986
KRONOS - Grupo XPTO - 1987

Obs: Dados obtidos em entrevista do autor, livros e páginas da Internet.


JOÃO UBALDO RIBEIRO, ESCRITOR E TRADUTOR PRODÍGIO OU 'VÍTIMA ' DE UMA EDUCAÇÃO RIGOROSA?


João Ubaldo Ribeiro
"Se não entendo tudo, devo ficar contente com o que entendo. E entendo que vejo estas árvores e que tenho direito a minha língua e que posso olhar nos olhos dos estranhos e dizer: não me desculpe por não gostar do que você gosta; não me olhe de cima para baixo; não me envergonhe de minha fala; não diga que minha fala é melhor do que a sua; não diga que eu sou bonito, porque sua mulher nunca ia ter casado comigo; não seja bom comigo, não me faça favor; seja homem, filho da puta, e reconheça que não deve comer o que eu não como, em vez de me falar concordâncias e me passar a mão pela cabeça; assim poderei matar você melhor, como você me mata há tantos anos." João Ubaldo Ribeiro (Vila Real)


João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica, Bahia, em 23 de janeiro de 1941, na casa de seu avô materno, à Rua do Canal, número um, filho primogênito de Maria Felipa Osório Pimentel e Manoel Ribeiro. O casal teria mais dois filhos: Sonia Maria e Manoel. Ao completar dois meses de idade, João muda-se com a família para Aracajú, SE, onde passaria a infância.

Em 1947 inicia seus estudos com um professor particular. Seu pai, professor e político, segundo o biografado, não suportava ter um filho analfabeto em casa. Já alfabetizado, em 1948 ingressa no Instituto Ipiranga. A partir daí permaneceria horas trancado na biblioteca de sua casa devorando livros infantis, sobretudo os de Monteiro Lobato. Forçado por seu austero pai, iria se dedicar com afinco aos estudos, procurando ser sempre o primeiro da classe. Sobre essa fase de sua vida leia mais em "Memória de Livros", deliciosa crônica que consta de "Releituras".

No ano de 1951 ingressa no Colégio Estadual de Sergipe. Sempre dedicado aos estudos, prestava ao pai, diariamente, contas sobre os livros lidos, sendo, algumas vezes, solicitado a resumi-los e a traduzir alguns de seus trechos. João era também solicitado a verter para o português canções francesas que o pai ouvia. Não tinha folga nem nas férias, pois nelas praticava o latim e copiava os sermões do padre Vieira, apesar de afirmar que fazia aquilo com prazer.

Manoel Ribeiro, seu pai, era chefe da Polícia Militar e, nessa época, passa a sofrer pressões políticas, o que o faz transferir-se com a família para Salvador. Na capital baiana João Ubaldo é matriculado no Colégio Sofia Costa Pinto. Conta ele que era perseguido pela professora de inglês, em virtude de seu sotaque. "Ela não percebeu que eu falava inglês britânico, já que estudara em Sergipe com um professor educado na Escócia", diz o escritor.

 Desafiado, dedica empenho extraordinário ao idioma, chegando a decorar 50 palavras por dia. Vizinho de engenheiros americanos, faz amizade com seus filhos para aprimorar ainda mais seus conhecimentos da língua inglesa.

Em 1955 matricula-se no curso clássico do Colégio da Bahia, conhecido como "Colégio Central".1956 marca o início da amizade com Glauber Rocha, seu colega na escola.

Estréia no jornalismo, começando a trabalhar como repórter no Jornal da Bahia, em 1957, sendo que posteriormente se transferiria para A Tribuna da Bahia, onde chegaria a exercer o posto de editor-chefe.

Em 1958 inicia seu curso de Direito na Universidade Federal da Bahia. Com Glauber Rocha edita revistas e jornais culturais e participa do movimento estudantil. Apesar de nunca ter exercido a profissão de advogado, foi aluno exemplar. Lê (ou relê), então, os grandes clássicos: Rabelais, Shakespeare, Joyce, Faulkner, Swift, Lewis Carroll, Cervantes, Homero, e, entre os brasileiros, Graciliano Ramos e Jorge de Lima. Nessa mesma Universidade, concluído o curso de Direito, faz pós-graduação em Administração Pública.

Participa da antologia Panorama do Conto Bahiano, organizada por Nelson de Araújo e Vasconcelos Maia, em 1959, com "Lugar e Circunstância", e publicada pela Imprensa Oficial da Bahia. Passa a trabalhar na Prefeitura de Salvador como office-boy do Gabinete e, em seguida, como redator no Departamento de Turismo.
Seu primeiro casamento dá-se em 1960 com Maria Beatriz Moreira Caldas, sua colega na Faculdade de Direito. Separaram-se após 9 anos de vida conjugal.

Com "Josefina", "Decalião" e "O Campeão" participa da coletânea de contos Reunião, editada pela Universidade Federal da Bahia no ano de 1961,  em companhia de David Salles (organizador do livro), Noêmio Spinola e Sonia Coutinho.

Em 1963 escreve seu primeiro romance, "Setembro não faz sentido", título que substituiu o original (A Semana da Pátria), por sugestão da editora.

Em plena efervescência política do ano de 1964, João Ubaldo parte para os Estados Unidos, através de uma bolsa de estudos conseguida junto à Embaixada norte-americana, para fazer seu mestrado em Administração Pública e Ciência Política na Universidade da Califórnia do Sul. Conta que, na sua ausência, teve até sua fotografia divulgada pela televisão baiana, encimada por um enorme "Procura-se". Segundo João, o movimento revolucionário não sabia que ele, tido e havido como esquerdista, estava nos Estados Unidos às expensas daquele país.

Volta ao Brasil em 1965 e começa a lecionar Ciências Políticas na Universidade Federal da Bahia. Ali permaneceu por 6 anos, mas desistiu da carreira acadêmica e retornou ao jornalismo.

Com o prefácio de Glauber Rocha, que se empenhou junto à José Álvaro Editores pela sua publicação, João Ubaldo tem seu primeiro romance "Setembro não faz sentido" impresso, com o apadrinhamento de Jorge Amado.

Em 1969 casa-se com a historiadora Mônica Maria Roters, que lhe daria duas filhas: Emília (nascida em fevereiro de 1970) e Manuela (cujo nascimento ocorreria em junho de 1972). O casamento acabaria em 1978.

Em 1971 lança, pela Editora Civilização Brasileira, o romance "Sargento Getúlio", merecedor do Prêmio Jabuti concedido pela Câmara Brasileira do Livro, em 1972, na categoria "Revelação de Autor". O livro é inspirado principalmente num episódio ocorrido na infância de João Ubaldo, envolvendo um certo sargento Cavalcanti, que recebera 17 tiros num atentado em Paulo Afonso, na Bahia; resgatado pelo pai do autor, então chefe da polícia de Sergipe, chegaria com vida em Aracaju. Segundo a crítica, esse livro filiou seu autor a uma vertente literária que sintetiza o melhor de Graciliano Ramos e o melhor de Guimarães Rosa.

Publica, em 1974, o livro de contos "Vencecavalo e o outro povo" (cujo título inicial era "A guerra dos Pananaguás"), pela Artenova.
Com tradução feita pelo próprio autor, o romance "Sargento Getúlio" é lançado nos Estados Unidos em 1978, com boa receptividade pela crítica daquele país.

Em 1979 passa nove meses como professor convidado do International Writting Program da Universidade de Iowa e publica no Brasil, pela Nova Fronteira, que a partir de então seria sua principal editora, um "conto militar", na sua definição, intitulado "Vila Real".

1980 marca seu terceiro casamento, com a fisioterapeuta Berenice Batella, que lhe daria dois filhos: Bento e Francisca (nascidos em junho de 1981 e setembro de 1983, respectivamente). Participa, em Cuba, do júri do concurso Casa das Américas, juntamente com o critico literário Antônio Cândido e o ator e diretor de teatro Gianfrancesco Guarnieri. O primeiro prêmio foi concedido à brasileira Ana Maria Machado.

Muda-se, com a família, para Lisboa, Portugal, em 1981, graças a uma bolsa concedida pela Fundação Calouste Gulbenkian. Edita, no período em que ali viveu, com o jornalista Tarso de Castro, a revista Careta. De volta ao Brasil, passa a residir no Rio de Janeiro, cidade que tanto ama, e lança "Política", livro até hoje adotado por inúmeras faculdades. Lança, também, "Livro de Histórias" (depois republicado com o título de "Já podeis da pátria filhos"), coletânea de contos. Inicia colaboração com o jornal "O Globo", que perdura até hoje, com pequenas interrupções, publicando uma crônica por semana. Sua produção dessa época seria reunida em 1988 no livro "Sempre aos domingos".

Em 1982 inicia o romance "Viva o povo brasileiro", que se passa na Ilha de Itaparica e percorre quatro séculos da história do país. Originalmente o livro se chamava "Alto lá, meu general". Segundo João, o livro nasceu de um desafio de seus editores e da lembrança de uma afirmativa de seu pai, que dizia: "Livro que não fica em pé sozinho, não presta." Como seus livros sempre tiveram poucas páginas, diante da provocação, fez um com mais de 700. Nesse ano participou do Festival Internacional de Escritores, em Toronto, Canadá.

No ano seguinte estréia na literatura infanto-juvenil com "Vida e paixão de Pandonar, o cruel". Seu livro "Sargento Getúlio" chega aos cinemas, num filme dirigido por Hermano Penna e protagonizado por Lima Duarte. O longa-metragem receberia os seguintes prêmios no Festival de Gramado: Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Som Direto, Melhor Filme, Grande Prêmio da Crítica e Grande Prêmio da Imprensa e do Júri Oficial. Volta a residir em Itaparica, na casa onde nascera.

"Viva o povo Brasileiro" é finalmente editado em 1984, e recebe o Prêmio Jabuti na categoria "Romance" e o Golfinho de Ouro, do governo do Rio de Janeiro. Inicia a tradução desse livro para o inglês, tarefa que lhe consumiria dois anos de trabalho e a partir do qual passaria a utilizar o computador para escrever. Ao lado de Jorge Luis Borges e Gabriel Garcia Marques, participa de uma série de nove filmes produzidos pela TV estatal canadense sobre a literatura na América Latina.

João Ubaldo é consagrado na Avenida Marquês de Sapucaí: seu livro "Viva o povo brasileiro" é escolhido como samba-enredo da escola Império da Tijuca para o carnaval do ano de 1987.
Em 1989 lança o romance "O sorriso do lagarto".


Em 1990 publica "A vingança de Charles Tiburone", sua segunda experiência em literatura infanto-juvenil. A convite da Deutsch Akademischer Austauschdienst, muda-se com a família para Berlim, onde viveria por 15 meses. Publica crônicas semanais no jornal Frankfurter Rundschau, além de produzir peças radiofônicas de grande alcance popular, entre elas, uma adaptação de seu conto "O santo que não acreditava em Deus".

Retorna ao Brasil em 1991, e volta a residir no Rio de Janeiro. Seu romance "O sorriso do lagarto" é adaptado para o formato de minissérie por Walter Negrão e Geraldo Carneiro e estréia na Rede Globo, tendo como protagonistas Tony Ramos, Maitê Proença e José Lewgoy. Volta a escrever no jornal O Globo e inicia colaboração no O Estado de São Paulo, passando a publicar em ambos uma crônica aos domingos.

Em 1993 adapta "O santo que não acreditava em Deus" para a série Caso Especial, da Rede Globo, que teve Lima Duarte no papel principal. No dia 7 de outubro é eleito para a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras, na vaga aberta com a morte do jornalista Carlos Castello Branco. Disputavam com ele o piauiense Álvaro Pacheco e o mineiro Olavo Drummond. No terceiro escrutínio João Ubaldo obteve 21 votos contra 13 de Pacheco e um nulo.

Termina, em 1994, a adaptação cinematográfica, feita em parceria com Cacá Diegues e Antônio Calmon, do romance "Tieta do Agreste", de seu amigo e conterrâneo Jorge Amado. O filme teve a atriz Sonia Braga no papel principal e direção de Cacá Diegues. Toma posse na Academia Brasileira de Letras em 8 de junho. Cobre, nos Estados Unidos, a Copa do Mundo de Futebol como enviado dos jornais O Globo e O Estado de São Paulo. De volta ao Brasil é internado numa clínica em Botafogo, com arritmia cardíaca. Participa da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, e lá recebe o Prêmio Anna Seghers, concedido somente a escritores alemães e latino-americanos.

Recebe o prêmio Die Blaue Brillenschlange -- concedido ao melhor livro infanto-juvenil sobre minorias não-européias -- pela edição alemã de "Vida e paixão de Pandonar, o cruel". Lança o livro de crônicas "Um brasileiro em Berlim", sobre sua estada naquela cidade.

Volta a participar da Feira do Livro de Frankfurt, em 1996. Detém a cátedra de Poetik Dozentur na Universidade de Tubigem, Alemanha.
Em 1997 é internado novamente no Rio, desta vez com fortes dores de cabeça provocadas por uma queda. Cacá Diegues compra os direitos de filmagem do livro "Já podeis da pátria filhos". Renova contrato com a Nova Fronteira, depois de receber propostas de outras editoras. Publica o romance "O feitiço da Ilha do Pavão".

Participa em Paris do Salão do Livro da França, em 1998. Vende os direitos de "Viva o povo brasileiro" para o cinema; o filme deve ser dirigido pelo cineasta André Luis Oliveira. Lança o livro "Arte e ciência de roubar galinha", seleção de crônicas publicadas nos jornais O Globo e O Estado de São Paulo.

Durante a IX Bienal do Livro - Rio de Janeiro, em Abril de 1999, lança o livro "A Casa dos Budas Ditosos", da série Plenos Pecados, um romance sobre a luxúria publicado pela Editora Objetiva Ltda., que obtém enorme sucesso de vendas.

Ainda em 1999, foi um dos escritores escolhidos em todo mundo para dar um depoimento ao jornal francês "Libération", sobre o milênio que se aproximava. Escreveu, juntamente com Carlos (Cacá) Diegues, o roteiro de um filme baseado em seu conto "O santo que não acreditava em Deus", cujo título para o cinema foi "Deus é brasileiro". Seu romance "O feitiço da Ilha do Pavão" foi publicado em Portugal e em tradução alemã, pela editora C.H. Beck. "A Casa dos Budas Ditosos" torna-se um grande sucesso editorial, permanecendo, por mais de trinta e seis semanas, entre os dez livros mais vendidos. O romance foi publicado na Espanha, França e outros países. Seu lançamento em Portugal se transformou em problema nacional face à proibição, por duas redes de supermercados, de sua venda naqueles estabelecimentos. A primeira edição, de 5.000 exemplares, foi vendida em poucos dias e novas edições também.

 João Ubaldo, em janeiro/2000, esteve lá para ser homenageado pelos escritores portugueses com um desagravo a tal procedimento. Nessa oportunidade participou da Semana de Estudos Lusófonos, na Universidade de Coimbra. Foi, também, citado em diversas antologias, nacionais e estrangeiras, inclusive numa sobre futebol, publicada pelo jornal "Le Monde", na França. Saíram várias reedições de seus livros na Alemanha, incluindo uma nova edição de bolso de "Sargento Getúlio". "O sorriso do lagarto" foi publicado na França. "A casa dos Budas ditosos" foi traduzido para o inglês, nos Estados Unidos. Seu livro "Viva o povo brasileiro" foi indicado para o exame de Agrégation, um concurso nacional realizado na França para os detentores de diploma de graduação.

Em 2008, o autor foi agraciado com o Prêmio Camões, considerado o maior galardão da língua portuguesa.


OBRAS DO AUTOR
1. INDIVIDUAIS
Romances:
Setembro não tem sentido - 1968
Sargento Getúlio - 1971
Vila Real - 1979
Viva o povo brasileiro - 1984
O sorriso do lagarto - 1989
O feitiço da Ilha do Pavão - 1997
A casa dos Budas ditosos - 1999
Miséria e grandeza do amor de Benedita (primeiro e-book — livro virtual — lançado no Brasil) - 2000
Diário do Farol - 2002
Miséria e grandeza do amor de Benedita, Dom Quixote - Portugal - 2003
Diário do Farol - Dom Quixote - Portugal - coleção "Grandes Autores de Língua Portuguesa" - 2003

Contos:
Vencecavalo e o outro povo - 1974
Livro de histórias - 1981 (reeditado em 1991, incluindo os contos "Patrocinando a arte" e "O estouro da boiada", sob o título de "Já podeis da pátria filhos").
Crônicas:
Sempre aos domingos - 1988
Um brasileiro em Berlim - 1995
Arte e ciência de roubar galinha - 1998
O Conselheiro Come - 2000
Você me mata, Mãe gentil - 2004
A gente se acostuma a tudo - 2006

Ensaio:
Política: quem manda, por que manda, como manda - 1981
Literatura infanto-juvenil:
Vida e paixão de Pandomar, o cruel - 1983
A vingança de Charles Tiburone - 1990

Antologia:
História Pitorescas - 1977
Obra seleta - 2005

Participação em coletâneas:
"Lugar e circunstância". In: Panorama do conto bahiano - 1959
"Josefina", "Decalião" e "O Campeão". In: Reunião: contos - 1961
"Já podeis da pátria filhos". In: Onze em campo e um banco de primeira - 1998

Obras traduzidas pelo autor:
Sergeant Getulio (Sargento Getúlio) - Boston - 1978
An invincible memory (Viva o povo brasileiro) - N.York - 1989

Organização de livro:
Nova floresta - Manuel Bernardes - 1993
Apresentação de livros:
"Um espelho distante". In: A arte de furtar - 1992
"Apresentação". In: Nova floresta - 1993
"Apresentação". In: O mistério do Leão Rampante - 1995
"Vida e livro fascinantes". In: Glauber Rocha, esse vulcão - 1997

Televisão
Adaptações:
O santo que não acreditava em Deus (Caso especial) - Do livro "Já podeis da pátria filhos" - Rede Globo - 1993
O compadre de Ogum (minissérie) - Do romance "Os pastores da noite", de Jorge Amado - Rede Globo - 1994
A maldita (Caso especial) - Do conto "Patrocinando a Arte" - Rede Globo - 1995

2. EM PARCERIA
Cinema
Tieta do Agreste (roteiro). De Jorge Amado. Com Cacá Diegues e Antônio Calmon - 1996
Televisão

Adaptações
Danada de sabida (Terça nobre) - Do conto "O artista que veio aqui dançar com as moças". Com Geraldo Carneiro - TV Bahia - 1997
3. TRADUÇÕES
Para o alemão:
Der Heilige, der nicht an Gott glaubte (O santo que não acreditava em Deus) - Frankfurt - 1981
Sargento Getúlio - Frankfurt - 1988
Brasilien, Brasilien (Viva o povo brasileiro) - Frankfurt - 1988
Das Lächeln der Eidechse (O sorriso do lagarto) - Frankfurt - 1994
Ein Brasilianer in Berlim (Um brasileiro em Berlim) - Frankfurt - 1994
Leben und Leidenschaft von Pandonar dem Grausamen (Vida e paixão de Pandomar, o cruel) - Munique - 1994
Bericht uit de vuurtoren
(Diário do farol), editora De Bezige Bij, tradução de Harrie Lemmens - 2003
Para o dinamarquês:
Sergenten (Sargento Getúlio) - 1991
Para o espanhol:

Viva el pueblo brasileño (Viva o povo brasileiro) - Madri - 1989
Vila Real - Madri - 1991
La sonrisa del lagarto (O sorriso do lagarto) - Madri - 1993
Para o francês:

Sergent Getúlio - Paris - 1978
Vila Real - Paris - 1986
Vive le peuple brésilien (Viva o povo brasileiro) - Paris - 1989

Para o hebraico
Samal Getúlio (Sargento Getúlio) - Tel -Aviv - 1984
Para o inglês:
The lizard's smile (O sorriso do lagarto) - Nova York - 1994
(veja também "Obras traduzidas pelo autor").

Para o italiano:
Sergente Getúlio (Sargento Getúlio) - Turim - 1986
Libro delle storie naturali (Livro de histórias) - Turim -  1991
Viva il popolo brasiliano (Viva o povo brasileiro) - Piacenza -  1997

Para o iugoslavo:
Serzant Getulio (Sargento Getúlio) - Murska Sobota - 1984
Para o sueco

Sergeant Getúlio (Sargento Getúlio) - Estocolmo - 1994
Ödlas leenden (O sorriso de lagarto) - Estocolmo - 1994

FORTUNA CRÍTICA
1. LIVROS
João Ubaldo Ribeiro: um estilo de sedução - Wilson Coutinho - 1998
2. DISSERTAÇÕES E TESES
Vida e paixão de Pandomar, o cruel, de João Ubaldo Ribeiro: um estudo de produção e recepção (mestrado em Letras) - José Luis Ceccantini - 1993
Estampas do imaginário: literatura, cultura, história e identidade (doutorado em Literatura Brasileira) - Eneida Leal Cunha - 1993
Sargento Getúlio: uma análise mítica (mestrado em Letras) - Luiza Nelma Fillus - 1983
A memória invencível: literatura e história em Viva o povo brasileiro (mestrado em Literatura Brasileira) - Magda Medeiros Furtado - 1992
Folhas venenosas do discurso: um diálogo entre Oswald de Andrade e João Ubaldo (mestrado em Letras) - Osmar Moreira dos Santos - 1996
Grotesco e Paródia em Viva o Povo Brasileiro - João Vianney Cavalcanti Nuto - UNB - Universidade de Brasília
A outra história: (Des)construções), memória e identidade cultural em "Viva o Povo Brasileiro" - Antonia Cristina de Alencar Pires - Tese de doutorado - Universidade Federal de Minas Gerais, 2.000.
ADAPTAÇÕES
1. PARA O CINEMA
Sargento Getúlio - Direção de Hermano Penna - 1983
Deus é brasileiro - Direção de Cacá Diegues - 2003
2. PARA A TELEVISÃO

O sorriso do lagarto - Adaptação de Geraldo Carneiro e Walter Negrão - Rede Globo - 1991 (ver também "Obras do autor - Televisão/Adaptações")Ainda de e sobre o autor estão anotados diversos ensaios e apresentações incluídos em livros, artigos de jornais, artigos de revistas e entrevistas.

Os dados acima foram obtidos em livros diversos; no sítio da Academia Brasileira de Letras; nos Cadernos de Literatura do Inst. Moreira Salles e fornecidos pelo próprio autor.

LEON ELIACHAR, UM BRASILEIRO LEGÍTIMO, NASCIDO NO CAIRO...


 
                          Por Armando Nogueira Júnior

Sua definição de humorismo

"Humorismo é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros.  Há duas espécies de humorismo: o trágico e o cômico.O trágico é o que não consegue fazer rir; o cômico é o que é  verdadeiramente trágico para se fazer. " Leon Eliachar

Leon Eliachar nasceu na cidade do Cairo, no Egito, no dia 12 de outubro de 1922. Veio muito pequeno para o Brasil e se tornou um dos melhores jornalistas de humor da imprensa falada e escrita, após ter atingido a idade da razão — ou do disparate, como costumava dizer.  Era tão brasileiro como qualquer brasileiro, embora conste que nunca tenha se naturalizado.


Jornalista desde os 19 anos de idade, trabalhou em diversos jornais e revistas, fixando-se, por último, na "Ultima Hora", onde, seguindo o exemplo de Aporelly (o Barão de Itararé) nos tempos de "A Manhã" com "A Manha", mantinha uma página, às vezes reduzida a meia, com o título de "Penúltima Hora". Justificava o nome da página com a legenda "Um jornal feito na véspera".

Colaborador (arrependido, segundo o autor) dos argumentos de dois filmes carnavalescos, foi autor de programas de rádio e secretário da revista "Manchete".

Em 1956 foi laureado com o primeiro prêmio ("Palma de Ouro) na IX Exposição Internacional de Humorismo realizada na Europa — Bordighera, Itália, por sua definição de humor acima citada, e uma historieta, "O Judeu" (leia em "Contos", no Releituras), sobre o qual afirmou ter podido escrever sem parecer anti-semita, pois ele próprio era judeu.

Há pouquíssimo material sobre o biografado. A maior parte são artigos escritos por ele e por amigos, todos muito bem humorados, cheios de nonsense, o que bem demonstra o espírito do biografado.

Leon Eliachar foi assassinado na cidade do Rio de Janeiro, em 29 de maio de 1987. Segundo o noticiário da época, a mando de um rico fazendeiro paranaense com cuja esposa o autor vinha mantendo um romance.

POR ALTO, BIOGRAFIA

Nasci no Cairo, fui criado no Rio; sou, portanto, "cairoca". Tenho cabelos castanhos, cada vez menos castanhos e menos cabelos. Um metro e 71 de altura, 64 de peso, 84 de tórax (respirando, 91), 70 de cintura e 6,5 de barriga.

Em 1492, Colombo descobriu a América; em 1922, a América me descobriu. Sou brasileiro desde que cheguei (aos 10 meses de idade), mas oficialmente, há uns dois anos; passei 35 anos tratando da naturalização. Minha carreira de criança começou quando quebrei a cabeça, aos dois anos de idade; minha carreira de adulto, quando comecei a fazer humorismo (passei a quebrar a cabeça diariamente). 

Tive vários empregos: ajudante de balcão, ajudante de escritório, ajudante de diretor de cinema, ajudante de diretor de revista, ajudante de diretor de jornal. 

Um dia resolvi ajudar a mim mesmo sem a humilhação de ingressar na Política: comecei a fazer gracinhas -- fora da Câmara. Nunca me dei melhor.

 Meu maior sonho é ter uma casa de campo com piscina, um iate, um apartamento duplex, um corpo de secretárias, um helicóptero, uma conta no banco, uma praia particular e um "short". Por enquanto já tenho o "short".

Sou a favor do divórcio, a favor do desquite e a favor do casamento. Sem ser a favor deste último não poderia ser dos primeiros. Sou contra o jogo, o roubo, a corrupção e o golpe; se eu fosse candidato isso não deixaria de ser um grande golpe.

O que mais adoro: escrever cartas. O que mais detesto: pô-las no Correio. Minha cor preferida é a morena, algumas vezes a loura. Meu prato predileto é o prato fundo. O que mais aprecio nos homens: suas mulheres - e nas mulheres, as próprias. Acho a pena de morte uma pena.

Não sou superticioso, mas por via das dúvidas, evito o "s" depois do "r" nessa palavra. Se não fosse o que sou, gostaria de ser humorista. Trabalho 20 horas por dia, mas, felizmente, só uma vez por semana; nos outros dias, passo o tempo recusando propostas - inclusive de casamento.

 Acho que a mulher ideal é a que gosta da gente como a gente gostaria que ela gostasse - isso se a gente gostasse dela. 

Para a mulher, o homem ideal é o que quer casar. Mas deixa de ser ideal logo depois do casamento, quando o ideal seria que não deixasse. Mas isso não impede que eu seja, algum dia, um homem ideal.

Leon Eliacharno livro “O Homem ao Quadrado”, Livraria Francisco Alves/Editora Paulo de Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, 1960 (orelhas da capa e contracapa.)

AUTOBIOGRAFIA DE UM FÔLEGO SÓ

Meu nome é esse mesmo, Leon Eliachar, tenho 44 anos, mas me orgulho de já ter tido 43, 42, 41, 40, 39, idades que muitas mulheres de 50 jamais atingiram, sou humorista profissional peso-leve, pois detesto as piadas pesadas, consegui atingir o chamado "preço teto" da imprensa brasileira, quer dizer, cheguei a ganhar um salário com o qual nunca pude adquirir um teto, sou a favor do casamento, sou a favor do divórcio, sou a favor do desquite e sou a favor dos que são contra tudo isso que eles devem ter lá os seus motivos, fui fichado com dificuldade no Instituto Félix Pacheco não pelo atestado de bons antecedentes, mas pelas dificuldades com que se tira um atestado, já fiz de tudo nessa vida, varri escritório, fiz entrega de embrulho, crítica de cinema, crônica de rádio, comentário de televisão, secretário de redação, colunismo social, reportagem policial, assistente de direção, peça de teatro, show de boate, relações públicas, corretagem de anúncios, script de cinema, entrevista política, suplemento feminino, até chegar ao humorismo, ainda não sei se o humorismo foi o princípio ou o fim da minha carreira, acho que ninguém faz nada por necessidade mas por vocação, isto é, por vocação da necessidade, tenho experiência bastante pra saber que não sou experiente, minha capacidade de compreensão chega exatamente no ponto em que ninguém mais me pode compreender, as mulheres tiveram forte influência na minha vida desde a minha mãe até à minha mulher, com escalas naturalmente, tive duas grandes emoções na vida, a primeira quando minha mulher disse "sim" e a segunda quando seus pais disseram "não", sou a favor das camas separadas, principalmente pra quem se casou com separação de bens, não guardo rancor por absoluta falta de espaço, uma das coisas que mais aprecio é Nova York coberta de neve - quando estou em Copacabana tomando sol, o melhor programa do mundo é ir ao dentista - pelo menos para o dentista, não vou a casamento de inimigo, muito menos de amigo, desde criança faço força pra ser original e o máximo que consigo é ser uma cópia de mim mesmo, meu grande complexo é não saber tocar piano, mas muito maior deve ser o complexo de outros homens que também não sabem tocar e são pianistas, meus autores favoritos são os que me caem nas mãos, escrevo à máquina com vinte dedos porque minha secretária passa a limpo, gosto de televisão às vezes quando ligo às vezes quando desligo, num enterro fico triste por não saber fingir que estou triste, aprecio as quatro estações, mas prefiro o verão no inverno e o inverno no verão, passei fome várias vezes e agora estou de dieta, acho a rosa uma mensagem definitiva porque custa menos que um telegrama e diz muito mais, sou a favor da pílula anticoncepcional porque ela resolve o problema da metade da população do mundo, acho que deviam inventar a pílula concepcional pra resolver o problema da outra metade, cobrador na minha casa não bate na porta perguntando se pode entrar, eu é que bato perguntando se posso sair, sou um homem pobre porque toda vez que batem à minha porta mando dizer que estou, meu cartão de visitas não tem nome nem telefone, assim ninguém sabe quem sou nem onde posso ser encontrado, prefiro o regime da ditadura porque não tenho trabalho de ensinar meu filho a falar, posso dizer com orgulho que sou um humilde, sou o único sujeito do mundo que dá o salto mortal autêntico, mas nunca dei, leio quatro jornais por dia e a única esperança que encontro são os horóscopos cercados de desgraças por todos os lados, acredito mais nos inimigos do que nos amigos porque os inimigos estão sempre de olho, minha maior alegria foi quando venci num concurso internacional de humorismo, em Bordighera, Itália, obtendo o primeiro e o segundo prêmios entre os participantes de 16 nações concorrentes, fiquei sabendo que havia humoristas piores do que eu, procuro manter sempre o mesmo nível de humor, mas a culpa não é minha: tem dias que o leitor está mais fraco.

LEON ELIACHARem “O Homem ao Zero”, Editora Expressão e Cultura – Rio de Janeiro, 1968, pág.20.

RETRATOS 3 x 4 DE AMIGOS 6 x 9

Por mais que procure ser excêntrico, Leon é concêntrico. Pois em matéria de conclusões consigo próprio ele confia apenas em consigo mesmo. Carioca cairoca (nasceu no Cairo, capital de Tel-aviv), tem uma idade indefinível, entre os 25 e os 250 anos. Uns dizem que ele nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, outros afirmam que foi no momento em que ele nasceu que a briga começou. Promotor nato, veio ao mundo por uma gentileza especial do Todo-poderoso e só pretende sair com a Bomba, isto é, numa queima geral de todo o estoque. Dizem que ele não só sugeriu ao Criador a idéia dos dois sexos (a idéia do terceiro sexo foi do Sérgio Porto) como insistiu ainda para que o sexo masculino fosse feito em gás néon, coisa que o Senhor achou de um exibicionismo excessivo (Que pena!).

Aos três anos de idade Leon queria ser Presidente da República. De lá pra cá sua ambição não parou. Jogador de pôquer, para combater o típico pocker-face, ele inventou a própria cara, tão enigmática que ficou conhecida como Leonfauce. 

A verdade é que nele a natureza colocou o primeiro olho com zoom. Aliás, muitos consideram sua cara a sua maior piada; mas parece que a piada saiu sem querer numa noite em que papai e mamãe Elichar estavam de bom humor. É o único escritor brasileiro que conseguiu ter um livro anunciado no Maracanã, junto com a irradiação da renda.  Com isso a renda do livro ultrapassou a do estádio.

Sua famosa campanha “Ponha um Leon na sua estante” deixou o tigre da Esso com a pulga entre as pernas e o Leon da Metro com o rabo atrás da orelha. Este ano Leon fez um programa pro Chico Anísio que acabou fazendo parte do programa. 

Ator de cinema, teatro e televisão, acredita que a água do mar é salgada e só não vende mais que a água potável por falta de promoção. 

Acha que todo mundo deve se promover até atingir a própria importância. Aliás, gosta tanto de gente importante que só lê Enciclopédia, porque ali gentinha não entra.

Organizadíssimo, fez até seguro contra milicianos transviados e, seguríssimo, só vai a médico quando este está realmente em estado grave. Sua conversa ao telefone é tão interessante, que determinadas autoridades já gravaram várias. 

É o primeiro a rir das próprias piadas; antes que algum infeliz o faça. Os inimigos o consideram o maior humorista do Oriente Médio, mas a verdade é que sem o seu humorismo nenhum gabinete dentário pode se considerar completo. Os admiradores acham que, quando ele morrer, deixará uma lacuna impreenchível. 

Conhecendo Leon como conheço, garanto que não vai deixar lacuna alguma — leva a lacuna com ele.

Millôr Fernandesque tem, dentre outras qualidades, a de ser  o melhor profissional de humor brasileiro, escreveu uma série de artigos denominados “Retratos 3x4 de alguns amigos 6x9”. Publicado originalmente na Revista Veja, em 1969, o texto acima foi extraído de seu livro “Trinta anos de mim mesmo”, Editora Nórdica – Rio de Janeiro, 1972, pág.181.

APRESENTAÇÃO

Leon Eliachar de Aljubarrota nasceu na quinta do Alverde, casa 5, lado esquerdo. Cresceu em meio às benesses da primavera. Aos 14 anos de idade, sofreu um acidente de velocipídico, machucando o dedão do pé esquerdo. Mais tarde, escreveria uma ode a esse respeito.

Leon Eliachar de Aljubarrota custou muito a encontrar a rota. Mas acabou encontrando, isto aos quarenta e sete anos (mais ou menos), no quilômetro 46 da estrada Rio—São Paulo. Encontrou e não devolveu.  Sendo assim, publicou os seguintes livros: 
O Homem ao Quadrado (1927), O Homem ao Cubo (416 a.C.), Por que me ufano do meu país (1870, com a colaboração do Conde de Afonso Celso), O Homem ao Zero (1939, infelizmente destruído pelas hordas paraguaias que nessa data fatídica invadiram o Uruguai); Quarup, by Antônio Callado; Os Sertões, de Euclides da Cunha; Listas Telefônicas Brasileiras, de vários autores e assinantes; Brás, Bexiga e Barra Funda, de Vinícius de Moraes; A Nova Constituição Brasileira, 1964, autor desconhecido; Leon Eliachar par lui même, by Leon Eliachar; Os Olhos Dourados de Ódio, edição conjunta (digo bilíngüe) com Rubem Braga; O Homem Nu, variação de O Homem ao Cubo; e assim por diante.  Maiores detalhes, biblioteca do Museu da Imagem e do Som, Rua Bartolomeu Mitre, 16, sobreloja.

José Carlos Oliveira fez esta apresentação (um exemplo de  nonsense) do biografado no livro "10 em Humor", Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1968, pág. 24.

NECROLÓGI0

O meu quem faz sou eu, que não sou bobo. Detesto a pressa dos jornalistas que querem fechar a página do jornal de qualquer maneira e acabam enchendo o espaço com os lugares-comuns do sentimentalismo.

 Nada de “coitadinho era um bom rapaz” nem que “era tão moço”, porque há muito deixei de ser um bom rapaz e nem sou tão moço assim. 

Quero que o meu necrológio seja sincero, porque de nada me valerá a vaidade depois de eu morrer - a não ser a vaidade de estar morto. 

Fui mau filho, mas isso não quer dizer que meus pais fossem melhores filhos que eu se fosse eu o pai. Não fui mau marido e acredito que seja porque não tivesse chance de ser, vontade não me faltou. 

Nunca roubei, nunca menti: esses os meus piores defeitos. Minha grande qualidade era ter todos os outros defeitos.

Fui egoísta toda vida, como todo mundo, mas nunca revelei nada a ninguém, como todo mundo. Passei a vida tentando fazer os outros rirem de si mesmos: é possível que agora riam de mim. 

Fui valente e fui covarde, só tive medo de mim mesmo o que prova a minha valentia. Nunca amei ao próximo como a mim mesmo, em compensação nunca ninguém me amou como eu mesmo. 

Tive milhões de complexos e venci-os todos, um por um, com exceção do complexo de morrer: esse morre comigo.

 Nunca dei nem tomei nada de ninguém, mas faço questão de deixar tudo o que não tenho para os que têm menos do que eu. 

Nunca cobicei a mulher do próximo: só a do afastado. Jamais entendi perfeitamente o que era o “bem” e o “mal”, embora a maioria das pessoas me achasse um homem de bem e este era o mal. 

Defendi a minha vida como pude, mas nunca arrisquei a vida para defendê-la. Nunca me preocupei com dinheiro, pois sempre tive pouco. 

Acreditei mais nos inimigos do que nos amigos, porque os amigos nem sempre se preocupam com a gente. Jamais tive um segredo, passei todos adiante.

Conquistei muitas mulheres, algumas com os olhos, outras com os lábios e outras com o braço. 

Tive pavor dos médicos, porque eles sempre descobrem as doenças que a gente nem sabia que tinha há tanto tempo. Me orgulho de ter vivido oitenta anos em apenas quarenta: finalmente me livrei dessa maldita insônia.


Leon Eliachar em “O Homem ao Cubo”, José Álvaro Editor - Rio de Janeiro,  1964, (orelhas da capa e da contracapa.)




No dia 21/06/2007, Leon Eliachar foi homenageado pela Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde estão os arquivos do humorista. Participaram do evento o cirurgião plástico Ivo Pitanguy e o cartunista Jaguar, amigos de Leon, e Sérgio Eliachar, filho do escritor.



BIBLIOGRAFIA:

- O Homem ao Quadrado (1960) - capa e desenhos de Cyro del Nero.


- O Homem ao Cubo (1963) - capa e paginação de Fortuna.



- A Mulher em Flagrante (1965) - capa executada por Juarez Machado; desenhos e paginação de Fortuna.



- O Homem ao Zero (1967) - capa de Gian.



- 10 em Humor (1968) - em conjunto com Millôr Fernandes, Stanislaw P. Preta, Fortuna, Ziraldo, Jaguar, Claudius, Zélio, Henfil e Vagn.



Os dados acima foram obtidos nos livros do autor.